Ninguém ama outra pessoa pelas qualidades que ela tem, caso contrário os
honestos, simpáticos e não fumantes teriam uma fila de pretendentes
batendo a porta. O amor não é chegado a fazer contas, não obedece à
razão. O verdadeiro amor acontece por empatia, por magnetismo, por
conjunção estelar. Ninguém ama outra pessoa porque ela é educada,
veste-se bem e é fã do Caetano. Isso são só referenciais. Ama-se pelo
cheiro, pelo mistério, pela paz que o outro lhe dá, ou pelo tormento que
provoca. Ama-se pelo tom de voz, pela maneira que os olhos piscam, pela
fragilidade que se revela quando menos se espera. Você ama aquela
petulante. Você escreveu dúzias de cartas que ela não respondeu, você
deu flores que ela deixou a seco. Você gosta de rock e ela de chorinho,
você gosta de praia e ela tem alergia a sol, você abomina Natal e ela
detesta o Ano Novo, nem no ódio vocês combinam. Então? Então, que ela
tem um jeito de sorrir que o deixa imobilizado, o beijo dela é mais
viciante do que LSD, você adora brigar com ela e ela adora implicar com
você. Isso tem nome. Você ama aquele cafajeste. Ele diz que vai e não
liga, ele veste o primeiro trapo que encontra no armário. Ele não
emplaca uma semana nos empregos, está sempre duro, e é meio galinha. Ele
não tem a menor vocação para príncipe encantado e ainda assim você não
consegue despachá-lo. Quando a mão dele toca na sua nuca, você derrete
feito manteiga. Ele toca gaita na boca, adora animais e escreve poemas.
Por que você ama este cara? Não pergunte pra mim; você é inteligente. Lê
livros, revistas, jornais. Gosta dos filmes dos irmãos Coen e do Robert
Altman, mas sabe que uma boa comédia romântica também tem seu valor. É
bonita. Seu cabelo nasceu para ser sacudido num comercial de xampu e seu
corpo tem todas as curvas no lugar. Independente, emprego fixo, bom
saldo no banco. Gosta de viajar, de música, tem loucura por computador e
seu fettucine ao pesto é imbatível. Você tem bom humor, não pega no pé
de ninguém e adora sexo. Com um currículo desse, criatura, por que está
sem um amor? Ah, o amor, essa raposa. Quem dera o amor não fosse um
sentimento, mas uma equação matemática: eu linda + você inteligente =
dois apaixonados. Não funciona assim. Amar não requer conhecimento
prévio nem consulta ao SPC. Ama-se justamente pelo que o Amor tem de
indefinível. Honestos existem aos milhares, generosos têm às pencas,
bons motoristas e bons pais de família, tá assim, ó! Mas ninguém
consegue ser do jeito que o amor da sua vida é! Pense nisso. Pedir é a
maneira mais eficaz de merecer. É a contingência maior de quem precisa.
— Arnaldo Jabor-Crônica do Amor
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